entrevista com o designer
O cearense Adalfan Filho é um designer guiado pela vontade de criar móveis acessíveis, com homenagens sutis ao Nordeste. Tapioca, Sertanejo e Araçá são alguns dos nomes que fazem parte de uma coleção de mais de 10 peças para a +55design, que se baseiam no rigor da produção simples, temperada com algum elemento inusitado.
+55: Em sua coleção para a +55, há quase uma obsessão pelo círculo. Por que esse elemento?
Adalfan Filho: Posso ver isso de maneiras diferentes. A explicação mais pragmática são minhas referências: o design moderno internacional, de matriz construtivista, calcado em formas geométricas, na abstração do desenho para obter um produto universal e acessível. A outra explicação é simbólica, fala do ciclo renovável da madeira, de pouco impacto ambiental quando bem manejada. O móvel como continuidade da vida da árvore: o círculo vem no sentido de demonstrar que tudo retorna ao ponto inicial.
+55: O que o levou a ser designer?
AF: Sempre tive veia artística, gostava de desenhar. Mas foi uma atitude do meu pai que me fez enveredar pelo caminho do design. Quando tinha 16 anos, ele me trouxe um livrinho do Sistema S sobre profissões e me apresentou o desenho industrial. Eu me identifiquei, pois sempre tive o “fazer coisas” na cabeça. Cresci muito próximo da natureza – meu pai é engenheiro agrônomo, minha mãe é bióloga –, e morávamos no sul do Pará, ao lado da reserva do Xingu – minha avó, aliás, é Xinguara. A gente gostava de andar pelo mato – ver árvores, ver bichos –, e me lembro do meu desejo de transformar aquele ambiente em algo além, criar a partir daquilo.
A coleção de Adalfan Filho para +55 reúne mais de 10 peças, entre cadeiras, poltronas, mesas de apoio e outras variedades de mobiliário
+55: Como foi a sua descoberta da profissão em sua formação?
AF: Aconteceu depois da faculdade. Fiz uma pós-graduação em Design de Móveis em Minas Gerais, e minha cabeça explodiu: tanta coisa que podia ser feita, mas não era. Apesar de estar em um polo moveleiro, fui percebendo como as empresas são incipientes, carentes de recursos e de estrutura, porque passamos por um processo de desindustrialização nas últimas décadas. Naquela época, ainda enxergava o designer como criador solitário que viabiliza sua ideia, e isso de alguma forma foi importante, pois me levou a investir no desenvolvimento de minhas próprias peças. Ao longo do tempo, fui ganhando mais perspectiva de minha atuação profissional. Não temos como, individualmente, solucionar problemas de criação, produção, distribuição e comercialização.
+55: Muitos jovens designers tentam, pois não acham alternativas.
AF: Seria inviável para meu intuito, que sempre foi distribuir, tornar o design acessível ao máximo de pessoas, acessível no sentido de usabilidade e no sentido comercial. Quero solucionar os problemas cotidianos de ordem prática. Minha formação em design industrial me ensinou a resolução de problemas, e não a expressão. Minha ideia de produto perfeito, ainda que utópica, é um produto que é invisível, não é um centro de atenção, mas uma plataforma para melhorar a vida.
+55: Como essa vontade se traduz na coleção da +55?
AF: O Tapioca é um exemplo. Usei como referência os carrinhos ambulantes de vendedores de tapioca em Fortaleza. O objetivo do conceito era que fosse muito simples tanto no uso quanto na forma. Ele pode ser um apoio para cozinha ou passear em outros ambientes. Tem apenas três tipos de componente de madeira. Sua síntese resulta da intenção de polir a forma. Apesar de austero, tem um quê irreverente e agradável.
A partir do carrinho Tapioca, Adalfan Filho projetou uma série de móveis que utilizam seções circulares e prezam pela simplicidade estrutural.
+55: Esse quê é importante e às vezes não tão simples assim.
AF: O simples não é fácil de executar. Por exemplo, na cadeira Saíra, apesar de parecer banal, os pés com a curvatura em ângulo seriam muito difíceis de produzir sem uma router de cinco eixos. Gosto de incluir algum elemento para dar esse aspecto único. Mas precisa ter uma justificativa. Nesse caso, é o conforto do espaldar mantendo os poucos elementos, ou seja, a simplicidade formal depende de uma complexidade técnica.
Croqui e produto final da cadeira Saíra
+55: Na coleção você usa muito os sarrafos de seções circulares, de mesmo diâmetro.
AF: É tudo no diminutivo: redução de linhas de desenho, de materiais, de quantidade de peças. Podemos discutir se a tentativa é bem-sucedida ou não, mas quero obter o melhor resultado com o mínimo de esforço. O mínimo de operações de fábrica. Voltando à sua observação, tem outra questão do porquê o círculo é tão presente em meu trabalho. Na marcenaria, fazer círculo é uma operação básica da furação e da usinagem, assim como é o torneamento.
Confira mais croquis de Adalfan Filho e os respectivos móveis retratados!
Croqui e produto final da Sapateira Aracati
Croqui e produto final da Banco Quero-quero
Croqui e produto final da Banqueta Sabiá
Croqui e produto final da poltrona Sertanejo
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